Museu de Arte Murilo Mendes | MAMM

Antanas Sutkus: Um olhar livre

Antanas Sutkus é considerado um dos maiores fotógrafos da antiga União Soviética. Nascido na Lituânia em 1939, ele construiu toda a sua obra durante o regime comunista, conseguindo, entretanto, escapar de todas as armadilhas da censura política e do anedótico. Ele descreve a vida cotidiana de uma maneira justa, carinhosa, às vezes irônica, sempre através de uma linha forte e resistente ao sistema e às influências.

Antanas Sutkus cresceu em um país com uma história bastante complexa, onde aproximadamente 100.000 partisans lutavam, entre 1944 e 1952, contra os invasores russos, 30.000 foram mortos e muitos outros foram mandados para os gulags siberianos. Durante toda a sua carreira, prestou uma homenagem ao seu povo através da sua série «Pessoas da Lituânia», onde o cotidiano dos seus co-cidadãos é o sujeito principal: cada indivíduo é fotografado com um senso de humanidade e sem nenhum efeito dramático. Ao contrário, o seu olhar traz amor e esperança para a vida dessas pessoas.

Com a exposição «Nove fotógrafos lituanos», em 1969 em Moscou, Sutkus e a «escola lituana de fotografia» ganharam prestígio e reconhecimento na União Soviética. No entanto, devido à censura soviética, a obra de Antanas Sutkus não pôde ser exposta nesta época da forma como merecia do outro lado do muro. Mas, em 1965, uma foto fez a volta ao mundo: ele fotografou o escritor Jean-Paul Sartre durante a estada deste na Lituânia. Sartre, que admirou as fotos realizadas pelo jovem fotógrafo, as fornecia para jornalistas. No entanto, a fotografia vinha assinada pela Agência TASS (agência de notícias soviética).

Algumas das suas imagens nos levam a fotógrafos inscritos na história da fotografia. Mas é necessário lembrar que todas essas referências chegaram ao conhecimento de Antanas Sutkus nos anos noventa com a queda da União Soviética, em um período no qual o fotógrafo já não fotografava e a sua personalidade artística já havia atingido a sua maturidade. É muito interessante, através da obra de Antanas Sutkus, ver que olhares similares podem nascer ao mesmo tempo em diversas partes do globo.

Muitas vezes considerado como um fotógrafo humanista, ele é, porém, menos anedótico do que Doisneau e, diferentemente a Cartier-Bresson, não se perde nos perigos da geometria. Ao contrário de muitos colegas, que se deixavam levar pela influênca do realismo socialista soviético, Antanas Sutkus traçava um caminho diferente: com quadros ao mesmo tempo construídos e espontâneos, se permitindo até mesmo ser seduzido por acidentes, marcados pela sua curiosidade, pela sua abertura e pela capacidade de desenvolver um olhar sensível e singular.

O vasto arquivo de Antanas Sutkus, que engloba aproximadamente um milhão de fotografias em torno da vida na Lituânia comunista, entre 1956 e 1989, é um dos maiores testemunhos de oposição contra a ideologia visual de um Estado. São simples detalhes que vão chocar-se com regras estabelecidas pela propaganda soviética e que causam imensos problemas ao fotógrafo, que por pouco escapa da prisão: pessoas em trapos, um pioneiro que não sorri, trabalhadores que descansam, meninos com garrafas de leite vazias. Sutkus foi diversas vezes considerado por críticos e jornalistas como «um poeta entre os soviéticos». No entanto, considero que o maior interesse da obra artística de Antanas Sutkus é a música visual que se compõe de uma imagem a outra. Cada imagem contém uma dose de subversão tingida com a doçura do olhar deste fotógrafo excepcional. «Eu tendo a um espelho justo e lúcido», diz ele. Esta lucidez pode qualificar também o seu olhar. O olhar de Antanas Sutkus é o olhar de um homem livre.

Luiz Gustavo Carvalho