Museu de Arte Murilo Mendes | MAMM

Murilo Mendes: seu contemporâneo sempre

Murilo está perto. Não apenas por ter nascido “às margens de um rio-afluente de águas pardas, o Paraibuna, que fazia muita força para atingir os pés do pai Paraíba”. Murilo, o garoto de apelido Petit, dos tempos do teatrinho em casa com Analu, conhecia uma dona Coló, admirava o padre Júlio Maria, tinha um tio de nome Francisco, um primo distante chamado Alfredo, irmão de Nélson, sempre passava pela casa de dona Custódia, se encantava pela prima Julieta e, ainda menino, “colava pedaços da Europa e da Ásia em grandes cadernos”.

Murilo, o filho de seu Onofre, viu a mãe “virar constelação” logo depois de abrir os olhos. Conheceu a morte. E também conheceu a vida, que sempre pulsou numa Rua Halfeld de encontros. De madames, de operários, de donos da lei e de senhoras desregradas. Descobriu que na “reta muito comprida, começando às margens do Paraibuna e terminando além da Academia de Comércio”, há curvas nos homens.

Murilo, que abria as janelas de casa e via os bondes da Rio Branco, maravilhou-se com uma lagartixa e perdeu a companhia da amiga Dolores. “Sentado ao sol num banco de jardim romano observo uma lagartixa no seu contínuo vaivém”. O menino e seu olho armado. “O prazer, a sabedoria de ver, chegavam a justificar” sua existência, numa “curiosidade inextinguível pelas formas”. Murilo, de sobrenome Monteiro Mendes, foi feito de carne, osso e emoções.

O poeta que se fez genial na escrita da prosa despe-se em humanidade no seu “A idade do serrote”. Está vivo. Suas memórias invadem a trivialidade e, ainda que poéticas, revelam o homem por trás da literatura. E não há de existir a pena sem a mão que a segura. Murilo Mendes está perto. E sua proximidade se faz na medida em que seus registros servem às lembranças de outros. Memória, aqui, é a prova de que um homem andou de mãos dadas com o próprio tempo.

O escritor, que construiu a ponte ligando Juiz de Fora e Europa, “italiano” por alguma vocação e brasileiro por uma sentimental teimosia, permanece na verdade das palavras que voam aos quatro cantos descortinando uma infância repleta de sentidos. Contemporâneo de si mesmo, ele sabia que um passado nunca deixa de estar presente. E a trajetória coletiva só se faz com os rastros individuais. Murilo não carece de ser renovado. Sua atualidade lateja nas obras dos que surgem.

Invadem a literatura contemporânea brasileira, narrativas que também embaralham o real vivido e o lirismo da ficção. São textos que, assim como as reminiscências dos tempos do serrote, apostam no fragmentário, fazendo com que Murilo acabe por se tornar um precursor. Ele está no hoje de quem escreve e espera o amanhã. O poeta está para o sempre.

Mauro Morais
Jornalista