Museu de Arte Murilo Mendes | MAMM
Cada país tem sua cultura em diversas áreas, bem como idiossincrasias que se formatam ao longo do tempo: artistas, escritores, poetas e professores, e cada um desses seres formam uma ampla e vasta rede que delineia cada nação, enriquecendo-a, ainda que muitas vezes possa ser pouco explorada pelos seus próprios concidadãos. Esse poderia ser um caso atinente ao Brasil, já que muitos de seus expoentes se tornam pouco conhecidos, e suas obras menos ainda, impedindo o amplo crescimento intelectual e mental-criativo de sua população, mas então, não tão integrada quanto poderia sê-lo. Um pouco dessa culpa, recai no sistema de ensino cartesiano defasado que se empenha em formatar a mente dos jovens para que deem conta de entrar nas faculdades a fim de se tornarem especializados nisso e naquilo…e no meio do caminho para tal intento, lhes perpassam, por exemplo, literaturas como Graciliano Ramos, Machado de Assis, e até tiras em quadrinhos de Fernando Gonsales (Níquel Náusea) e o argentino Quino (Mafalda), dentre alguns outros autores mais novatos que se acham na Internet, essa rede universal caoticamente informatizada. Mas porque outra maioria dos autores de igual valor é desprezada, como Rubem Alves (educador e escritor) ou Manoel de Barros (poeta criativo), tornando-os “fantasmas”, sombras do potencial daquilo que poderia ser explorado e usufruído?
Quando fui convidado por Thiago Berzoini para escrever e abrir o texto em homenagem aos 10 anos do MAMM, confesso que fui pesquisar mais acerca do poeta modernista Murilo Mendes, nascido em Juiz de Fora em 1901 e que depois de alguns trabalhos burocráticos, singrou pela Europa divulgando a cultura brasileira, tendo inclusive lecionado Literatura Brasileira na Itália. De posse de tais informes (e outros, como a poesia de Murilo ser um tanto surrealista, modernista, mas igualmente religiosa com raízes na Idade média), despertaram-me para essa falta de reconhecimento no Brasil, de nossos representantes e influenciadores culturais. Mas vi que foi ele um poeta de força e arrebatamento, daqueles grandes, cujas palavras elencadas e concatenações nos versos nos ribombam a alma! E eu, vergonhosamente, apesar de ter lido muitos livros na juventude, feito mestrado e doutorado não o conhecia! Mas eximo-me de toda a culpa, advertindo o que discorri no começo: falta uma ampliação em nossas escolas trazendo aos jovens mais cultura nacional, que tem valor de igual aos estrangeiros e outros que tais, os quais sempre aparecem nos estudos e nas mídias de arte! Faço então, às escusas, um paralelo: sou pesquisador de Histórias em Quadrinhos (HQs), e fui contactado por Thiago justamente pelo meu trabalho acerca da valorização dessa arte dos desenhos que igualmente já foi desconhecida anteriormente em suas autorias pela cultura geral brasileira (e ainda o é um tanto, inclusive devido aos preconceitos residuais que advêm desde o ensino em seus idos), e isso se mostrou promissor, pois fez-me repensar não só essa questão, como o parco reconhecimento de nossas estruturas culturais brasileiras, que as escolas teimam em obliterar mostrando apenas alguns nomes de autores em áreas diversas no Brasil, além de empurrar a maior parte que vem de terras estrangeiras (valorosos, todos, claro, mas não sendo únicos exclusivamente).
É então que, assim como faltava a difusão do valor real das Histórias em Quadrinhos em anos pretéritos, tenso sido sanada pela valorização na atualidade advinda de fatos que foram paulatinamente sendo explanados devido ao empenho de pesquisadores das HQs desde os anos de 1970, e que agora são muito mais reconhecidas e até utilizadas no ensino – embora ainda carentes de um maior abalizamento dos professores, pois que, apesar do reconhecimento, ainda não conhecem verdadeiramente o potencial imagético das HQs (também chamadas de 9ª Arte), e o impacto que os desenhos autorais aliados ao texto causam na mente – que vejo a importância desse evento, da comemoração dos 10 anos do Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), e sua maior visibilidade para o Brasil como um todo (museu e homenageado), flertando (e elencando) as HQs como parte relevante nas artes, já que resgatam a obra desse poeta mineiro e aliam-na às imagens desenhadas dos quadrinhos realizados por convidados austeros e autores criativos: pois, pelo que estudei e pela tese que desenvolvi no doutoramento, venho notando cada vez mais que as HQs não só ajudam na memorização das mentes dos que as leem, apreendendo conteúdos interdisciplinares e de conhecimentos gerais, mas também fazem com que mergulhem em universos criativos, impulsionados pelos desenhos cujos estilos se distinguem pelas páginas diagramadas de maneira elíptica como o são os filmes e também as poesias (mais ainda, as de Murilo Mendes) numa conjunção deveras singular, em que as artes da literatura poética dão as mãos às artes dos quadrinhos. E é nesses últimos, em cujos espaços se “escondem” os desenhos não feitos, mas imaginados, e que dão à mente a continuidade necessária e gestáltica para que os leitores das imagens escritas “viajem”, não só interpretando, mas reinterpretando, recriando e completando o que está sendo visto/lido devido à riqueza estética dos traços estilizados dos desenhos nas HQs, que pode-se usufruir de maneira renovada em sua temática a rica estrutura imagética das poesias de Murilo Mendes, cujas estrofes se mostram igualmente elípticas: um casamento e tanto, entre quadrinhos e poesia!
Para se comprovar a visualidade dos escritos desse grande poeta, exemplifico a seguir um trecho de O Homem Visível (que pode ser lido completo na versão quadrinizada por mim e que se encontra na exposição):
Os fantasmas renascem estátuas de metal e pedra.
Eu sou meu companheiro no deserto,
Trago o capuz de grande Inquisidor
(…)
Do alto parapeito incandescente
Vomitarei o mundo posterior ao pecado.
(…)
Dita a palavra essencial
Amanhecerei árvore.
Sendo as poesias de Murilo altamente visuais, lembram-me igualmente os escritos do escritor argentino Jorge Luis Borges, que foi colorindo seus textos na mesma proporção contrária a que ia sendo acometido de uma cegueira progressiva.
De toda maneira, percebi nas poesias de Murilo grande lacuna de sua difusão à população brasileira em geral, que, ao que suspeito, foi sendo acometida duma cegueira cultural, pois que vem preferindo manter no rol de sua vida um entretenimento de aspectos menos sutis e mais voláteis duma pseudo-arte, subvalorizando aspectos importantes e ricos como os escritos vivazes e reflexivos desse escritor versátil. igualmente os escritos do escritor argentino Jorge Luis Borges, que foi colorindo seus textos na mesma proporção contrária a que ia sendo acometido de uma cegueira progressiva.
Por isso, sejam bem-vindos quantos mais vierem, para receber esse diálogo de linguagens (escritos mais HQs) através da exposição de adaptações livres e criativas feitas por vários autores da área quadrinhística, sobre a obra ricamente poética (e imagética per si) de Murilo Mendes! Creio assim, que há três recompensas culturais para quem comparecer à mostra:
Finalizo assim, contente, por ampliar meus conhecimentos acerca dessa cultura poética e desse autor pungente, ressaltando que o convite fez-me fruir com a leitura de Murilo Mendes e seus escritos (tal como “O Homem Visível” ou “Metade Pássaro”, bem como outras poesias que descobri pesquisando-o), crendo que o registro desses 10 anos do museu possa espraiar tal riqueza literário-imagética muito além de Juiz de Fora e sua população, pois ao trazer a essa exposição “Transmuriliana: uma antologia em quadrinhos” os escritos de Murilo Mendes na forma de quadrinhos, permite uma nova apreciação e abordagem de suas obras, ampliando as leituras e os (re)conhecimentos.
Advirto-lhes, porém, que em realidade, tal ampliação já começou, tomando-me como exemplo: resido no litoral de São Paulo, e a força literária e cultural de Murilo me atingiu…
Espero que todos, dessa maneira, possamos pouco a pouco, amanhecermos num novo alvorecer neste país, com frutos cada vez mais saborosamente compartilhados; e mais ainda: reavivados e valorizados não apenas no âmbito regional, mas nacional, sanando a lacuna do pouco reconhecimento de nossos pares que promovem em silêncio a cultura das artes, reconhecidamente necessária a uma mente salutar, como sói acontecer!
Tenham, de verdade, uma boa e poético-imagética exposição!
Murilo Mendes e todos nós merecemos!
Gazy