Museu de Arte Murilo Mendes | MAMM
Num contexto cultural como o nosso, onde a produção artística está à mercê do prestígio social e das imposições do mercado de arte, onde a capacidade reflexiva cede lugar às estratégias do ganho e da autopromoção, que fatores podem determinar a real avaliação da qualidade da obra de um artista?
Sob essa ótica, Leonino Leão é um caso exemplar de como um dos mais importantes artistas de sua geração (com uma atividade artística intensa e uma dedicação integral ao fazer arte) está ainda por ser descoberto pelo grande público e pelo sistema de arte. Sua preocupação principal sempre esteve ligada à obra e não à carreira. Durante alguns anos (poucos, infelizmente) pude acompanhar de perto seu processo de criação. Havia algo de quase angustiante em sua entrega total, uma certa urgência na criação de uma obra que ultrapasse o estreito limite entre o nascer e o morrer de um artista. Acompanhei de perto a formulação e a maturação de muitas idéias e obras, e a honestidade profissional me obriga a confessar que, algumas vezes, senti inveja da naturalidade com a qual Leonino resolvia a complexidade de alguns trabalhos. A honestidade me obriga a uma segunda confissão: nesses poucos e intensos anos em que tive o privilégio de acompanhar sua trajetória, aprendi muito. Aprendi coisas fundamentais que marcaram, de maneira definitiva, meu próprio trabalho.
Relendo as confissões acima talvez se possa tentar estabelecer alguns pontos objetivos para medir a importância da obra de um artista. A capacidade de transformar o mundo e o poder de influir junto à sensibilidade das pessoas são dados reais que distinguem o mero produtor de imagens do artista dentro de uma dimensão integral. É desta forma que posso declarar com tranqüilidade que Leonino Leão foi (é) um dos artistas mais importantes de sua geração. Haverá reconhecimento público no futuro? Acredito que sim, embora isso não fizesse qualquer diferença na sua maneira de agir e pensar. O fato é que nosso artista teve em vida – contraditoriamente- suas maiores recompensas: o prazer de pintar e a certeza da integridade de seus propósitos.
Não há muito a ser dito e nem é necessário que se diga muito mais. Escrever estas palavras não tem qualquer sentido de necrológico. Pelo contrário. Toda a vida de Leonino Leão está ( sempre esteve) em seus quadros. Todos os que tiveram o privilégio e o prazer do convívio com esse artista genial sabem a que me refiro; os que não o conhecem têm agora a oportunidade de vislumbrar um fragmento pequeno mas, como sempre, muito intenso de seu universo.
A morte de um artista sempre torna o mundo um pouco menor. Felizmente a qualidade de uma obra como a de Leonino Leão nos dá força para insistir no propósito de re-inventar o mundo de maneira nova, melhor.
Arlindo Daibert
Setembro/1988
DAIBERT, Arlindo. Caderno de Escritos. Rio de Janeiro: Editora Sette Letras, 1995
Revendo os “objetos do sentido” constato que continuam íntegros em sua poesia rude, em sua simplicidade essencial, e a morte do artista conferiu-lhes uma estranha aura auto-biográfica, confessional. Um monólogo sem fim que encontra eco nos versos de Murilo Mendes anotados por Leonino em seu caderno de projetos: “A infância vem da eternidade / Depois só a morte magnífica / – Destruição da mordaça: / Talvez já a tivesses entrevisto / Quando brincavas com o pião / Ou quando desmontaste o besouro. “ (Murilo Mendes, “Janela do Caos”).
Juiz de Fora, primavera de 1991.
Arlindo Daibert
DAIBERT, Arlindo. Caderno de Escritos. Rio de Janeiro: Editora Sette Letras, 1995
Nova Cara do Mundo
O cometa de Halley vai passar
Toda a cidade acorda para ver o cometa
Ele é enorme e fabuloso
destrói idades pensamentos de homem.
O mundo muda a cara quando ele passa
e meninas desmaiam no fundo do sertão.
O cometa passa e arrasta um pouco da minha alma.
Fiquei triste, triste, jururu!
Em vão minha tia
Virgínia Amália Monteiro de Barros
repete no piano com tanto sentimento
a Valsa Transiberiana, meu xodó naquele tempo.
Qual valsa, qual nada!
O cometa me traz anuncio de outros mundos
e de noite eu não durmo
atrapalhando com o mistério das coisas visíveis.
No rabo do imenso do cometa
passa a luz, passa a poesia, todo o mundo passa!
Mendes, Murilo. Nova cara do mundo. In: ______Revista de Antropofagia. São Paulo, n.14, 2ª dentição, Julho 1929.