Museu de Arte Murilo Mendes | MAMM

Coleção Murilo Mendes 25 anos

Admirável legado de Murilo Mendes

Demonstrando capacidade inesgotável de renovação a partir de diferentes olhares, o MAMM apresenta a exposição Coleção Murilo Mendes: 25 anos em sua nova Galeria Poliedro (térreo) e na Galeria Convergência (2º andar), com uma seleção do acervo musealizado que reflete aspectos do colecionismo do poeta em diferentes intervalos temporais, além das relações pessoais e intelectuais do escritor em seu percurso por terras brasileiras e europeias. 

Na Galeria Retratos-relâmpago (térreo), Itinerários tão vastos apresenta uma breve retrospectiva de importantes exposições que revisitaram e reinterpretaram a poesia muriliana e sua coleção de artes plásticas, resultando ao longo dos anos na incorporação de obras de expressivos artistas brasileiros e estrangeiros ao acervo do MAMM. 

Coleção Murilo Mendes: 25 anos celebra a recepção, em 1994, do acervo de artes plásticas do escritor pela UFJF, como resultado de muitos esforços empreendidos pela instituição e pelo governo federal. Essa conquista marca a história da instituição, delineando um novo tempo para a cultura local e regional, com reflexos no país e no exterior. Esta Coleção – caracterizada, sobretudo, por uma produção relativa ao Surrealismo, ao Abstracionismo e ao Construtivismo do Segundo Pós-guerra – constitui, segundo Angelo Oswaldo, em entrevista ao jornal Tribuna da Imprensa, de 14 de setembro de 1993, “a mais expressiva que ingressa no Brasil depois da façanha histórica de Assis Chateaubriand e Pietro Maria Bardi”. 

No que se refere ao contexto geográfico, o acervo internacional de artes plásticas na Coleção Murilo Mendes é considerado a maior coleção pública de arte moderna no estado de Minas Gerais, colocando o MAMM em lugar privilegiado no panorama museológico nacional. 

Ao reunir, de forma inédita, a maior parte da Coleção em uma só mostra, esta exposição promove um memorável registro com o lançamento do livro Coleção Murilo Mendes: 25 anos, cujo patrocínio exclusivo da Unimed, realizado por meio de edital público, tornou possível uma publicação à altura do acervo do Museu e da importância do Modernismo nacional e internacional nos últimos cem anos.

A Coleção de Arte Murilo Mendes, desde Arlindo Daibert, vem sendo pensada como possuidora de três segmentos: […] 

Minha proposta seria dividir a Coleção em quatro segmentos, para que se possa trabalhar para uma compreensão maior do acervo. Neste sentido, eu diria que haveria dois segmentos brasileiros. O primeiro, seria aquele que reuniria as obras de Ismael Nery, do início dos anos 1920 até seu falecimento em 1934. Como será visto, esse segmento foi fundamental não apenas para a formação de Mendes, mas também para muitos artistas e intelectuais do período. O segundo segmento seria composto por obras de artistas brasileiros ou residentes no país entre 1934 e 1953. Assim, o terceiro núcleo agregaria as obras compradas na Europa entre 1953 e 1956. O quarto e último seria o conjunto de obras adquiridas (por compra ou doação) durante o estágio italiano de Mendes.

Na edição de 12 de novembro de 1938, a revista O Cruzeiro publicou a matéria “Notícias sobre Ismael Nery”, estampando a foto de uma parede com 16 telas do artista. Abaixo da foto e do título, mais quatro fotos de obras. Acima, no canto esquerdo, lê-se: “Uma série de quadros de Ismael Nery, da Coleção de Murilo Mendes”. No texto curto, o autor falava sobre a “função psicológica” daquelas pinturas. Esta seria a única foto registrando a Coleção Murilo Mendes, antes das fotos de seu apartamento romano, […]  

A foto das obras de Nery em O Cruzeiro informa sobre quanto interesse a Coleção causava naqueles que se preocupavam com a arte moderna, permitindo que se entenda os efeitos que aquela parede causava nos jovens intelectuais que tiveram a oportunidade de contemplá-la (e serão vários, como veremos). Foi o que ocorreu quando o então jovem crítico Mário de Andrade conheceu as obras do artista em uma visita a Mendes, no Rio, em 1928. […] 

Reconhecendo que o quarto de Mendes era “tudo quanto na época se podia ver aqui, em matéria de pintura moderna”, Bento reafirma o papel do poeta em divulgar a produção do amigo. Pode ser que seu quarto não fosse o único local onde se entrava em contato com arte moderna no Rio, mas para uma parcela jovem da intelectualidade, era um dos poucos. Bento também relembra outro episódio ocorrido, “presumo que no começo de 1928”, em que ele levou novos amigos para conhecer as obras de Nery no quarto do poeta: “Graça Aranha, Renato de Almeida, Ronald de Carvalho e Álvaro Teixeira Soares”. 

As ações de Mendes em relação às obras de Nery, portanto, não ficaram restritas às ações de armazená-las e classificá-las. Havia a consciência de que elas deveriam ser apresentadas para aqueles que se interessavam por conhecê-las e, talvez, ter o primeiro contato com a arte moderna (como Antonio Bento). Com “suas paredes, de alto e baixo, cheias de quadros”, o quarto de Mendes funcionava como um museu de arte moderna.

O cume do segmento brasileiro da Coleção de Arte Murilo Mendes é aquele que flagra o “retorno à ordem” pela qual passava a pintura brasileira no início dos anos 1930 a partir de retratos de Murilo Mendes e Ismael Nery, produzidos por artistas ligados à dupla. Nesse conjunto, estão duas pinturas de 1930 de Alberto da Veiga Guignard, artista que, de início, teve Nery como parâmetro. Em Retrato de Murilo Mendes, Guignard articula os planos da pintura seguindo um modelo distante do naturalismo, atento às soluções vindas da colagem e da pintura anterior a Rafael – uma das principais obras de toda a Coleção. Em Retrato de Ismael Nery, aquela especulação é ignorada e o trabalho assume certo convencionalismo.

Retrato de Murilo Mendes, 1931, de Candido Portinari, ao mesmo tempo em que exemplifica outro tipo de adequação dos postulados do retorno à ordem a um determinado temperamento, impõe-se como um dos mais representativos retratos pintados pelo artista naquele início de década. 

O conservadorismo da arte brasileira dos anos 1930 não teve como contraponto apenas aquelas poucas fotomontagens de Mendes e Lima. A gravura se mostrou uma alternativa mais forte para combater o clima de “retorno à ordem” do período. Presentes na Coleção, seus principais artistas foram Oswald Goeldi e Livio Abramo. Goeldi avizinhava-se do expressionismo, acrescentando ironia à potência alegórica de suas imagens – como no “cartão de boas entradas para 1933” (Sem título, 1932) – e/ou uma dramaticidade pouco vista até então na arte brasileira – Mulheres, s.d. ou O ladrão–. Abramo, por sua vez, buscava o rumo para sua poética, ora passando por Tarsila – Sem título, 1935 –, ora se aproximando do realismo. Porém, apesar de potente enquanto manifestação de individualidades, como os dois artistas citados, a gravura não tinha condições de competir com a pintura do período.

Porém, antes que Mendes passe a se dedicar de maneira mais intensa à arte produzida na Itália, é importante lembrar que, já a partir do início dos anos 1950, quando deu início às suas viagens à Europa, ele teria iniciado outro segmento importante de sua Coleção – aquele dedicado aos “mestres” do modernismo internacional, aqui já comentado. É, portanto, a partir desse “momento europeu”, período de ascensão social, profissional e econômica, que Mendes buscará imprimir uma marca também internacional à sua Coleção, impregnando-a de artistas internacionais “históricos” e contemporâneos.

A essa mudança de ares – (do Brasil para a Europa) – e de parâmetros – (a busca de “depuração” levando-o para a poesia concreta) –, corresponderá o surgimento de um interesse por parte de Mendes pela produção artística italiana do pós-Guerra, sobretudo aquela que também – e por meio de estratégias as mais diversas –, tentava aliar à racionalidade da forma uma dimensão expressiva. O interesse por essa corrente levará o poeta a escrever vários textos críticos sobre seus protagonistas e também – o que mais nos interessa aqui – a abrir um nicho em sua Coleção para obras desses artistas. 

Por sua vez, o novo momento que vive a Coleção, agora integrando o Museu de Arte Murilo Mendes, dá início a um novo capítulo de sua história, em que seu estudo, preservação e exibição, casa-se com as iniciativas para que, aos poucos, ela vá se impregnando na cultura de Juiz de Fora e do país, trazendo novas perspectivas de significação para as obras que a compõem e para o poeta e colecionador que de início a constituiu.